Filme do Dia: O Caso Mattei (1972), Francesco Rosi


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O Caso Mattei (Il Caso Mattei, Itália, 1972). Direção: Francesco Rosi. Rot. Original: Tito Di Stefano, Tonino Guerra, Nerio Minuzzo & Francesco Rosi, a partir do argumento de Tonino Guerra. Fotografia: Pasqualino De Santis. Música: Piero Piccioni. Montagem: Ruggero Mastroianni. Dir. de arte: Andrea Crisanti. Figurinos: Franco Carretti. Com: Gian Maria Volontè, Luigi Squarzina, Gianfranco Umbuen, Edda Feronao, Peter Baldwin, Dario Michaelis, Franco Graziosi, Elio Jotta.
Enrico Mattei (Volontè) é um dos homens mais influentes da Itália nos idos dos anos 60. Seu passado de pobreza remete a resistência contra o nazi-fascismo e posteriormente o seu envolvimento em um dos grupos empresariais mais poderosos da Itália, A.G.I.P, detentor do  metano e por fim da poderosa ENI, em que ele se bate para manter sob o domínio público, contra todo um grupo de políticos liberais dispostos a fazerem negociatas com os poderosos trustes petrolíferos multinacionais. Seu cargo e suas posições abertamente controvertidas, negociando com a União Soviética ao invés dos norte-americanos, por exemplo, gera um temor por sua segurança pessoal. Em 27 de outubro de 1962 seu jato particular cai (ou explode) sob condições climáticas adversas, pouco antes de aterrissar em Milão, após um encontro com lideranças políticas locais na Sicília e após uma recepção calorosa do povo local, bastante otimista com relação ao futuro de seus jovens, boa parte deles emigrados para a Alemanha. Acidente aéreo ou atentado? E, caso atentado, de quem? De representantes das grandes corporações e/ou governantes com os quais se atritou ou da Máfia siciliana incomodada com a perspectiva de mudanças radicais em seu cenário de ação?
Rosi, mesmo trabalhando com um leque de estratégias nada incomuns ao filme de suspensa-conspiração norte-americano (que teve como destaque Sob o Domínio do Mal, de Frankenheimer) envereda por uma senda distinta, mais ousada sob ao menos dois aspectos: 1) aborda figuras históricas concretas em situações de contexto de relações de poder no cenário regional, nacional e internacional; 2) fá-lo a partir de uma trama menos convencional, que não apenas secundariza ou mesmo elide o plano das relações interpessoais como cria um interessante painel multifacetado que não apenas desrespeita a cronologia dos eventos como igualmente insere a figura do próprio realizador do filme, Rosi, em sua pesquisa sobre Mattei, assim como figuras do mundo histórico em declarações de cunho documental em meio a reconstituição dos eventos. Com relação a este segundo tópico, não faltam exemplos de criatividade como o que um Mattei vivido (com garra) por Volontè, então ícone do cinema político italiano em seu auge “dialoga” com imagens de arquivo de um dos políticos com os quais polemiza. Se a sanha de criatividade que acompanha o primeiro terço do filme parece relativamente arrefecer quando faz um uso demasiado prolongado de um jornalista proeminente italiano como pretexto para que boa parte do contexto no qual Mattei se equilibra de forma algo precária se torne ao menos tocado, suas imagens continuam a surpreender sem necessitar descambar para o aberto espetáculo e fábula paranoica de seus congêneres americanos, indo das paredes repletas de fotografias eróticas dos aposentos dos que moram em plataformas marítimas de extração de petróleo a sobrevoos em regiões sauditas. Mattei, em ampla medida, personifica uma encarnação na aposta nos homens e países até então sob o jugo do colonialismo europeu e no anti-americanismo que era decantado pelo Tercer Cine e uns poucos cineastas autorais europeus somado ao pragmatismo algo cínico dos filmes de conspiração norte-americanos, em sua necessidade de negociar em espectro amplo que vai dos nazi-fascistas até a recusa do tradicional clientelismo paroquial italiano para que não ponha em risco a competitividade da empresa. Nessa aposta, a ousadia de Rosi vai além de cutucar um episódio ainda relativamente recente e não esclarecido da história italiana, com todos os seus componentes em jogo, observados ao menos superficialmente mas de também abrir mão de um arco dramático convencional e do habitual psicologismo. Algo muito diverso e de longe mais auspicioso que o contemporâneo, anêmico e didático O Delito Matteoti, de Vancini. E, de quebra, de conscientemente se evadir de flancos previsíveis de abordagem em uma proposta mais convencional, como a da auto-afirmada paixão pelas mulheres de Mattei, em nenhum momento sequer vislumbrada além de suas próprias palavras.  Palma de Ouro em Cannes divida com outro exemplar célebre da produção política italiana contemporânea, A Classe Operária Vai ao Paraíso, de Elio Petri, com o mesmo Volontè. Verona Produzione/Vides Cinematografica. 116 minutos.


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